O vento denso batia no rosto de André, congelando suas orelhas e fazendo seu cabelo negro chicotear para todos os lados. Ele subia um morro alto e escorregadio em direção a um casebre, que se revelava no topo. Tomava cuidado para não tropeçar. Semana passada quebrou um dedo. Na retrasada, se apaixonou por Leninha, namorada de seu primo. Era um acidente após o outro. Seguia torcendo para que sua onda de má sorte tivesse um fim. Hoje mesmo foi atropelado por um caminhão. Nunca mais teve azar.

  Laerte nunca tinha ido a um parque de diversões. Inúmeros vendedores ambulantes cobriam a entrada, competindo pela atenção das crianças. Algodão doce, carrinho, pipoca colorida, balão. Ofereciam de tudo, mas Laerte já tinha 13 anos. Certamente não iria ganhar brinquedos ou doces. Andou na roda gigante, desceu o tobogã. Nada extraordinário. Foi no trem-fantasma. Viu sete morcegos, um chupa-cabra, dezenas de caveiras e um pouco de sangue. Saiu desapontado. A vida real eramuito mais assustadora.

  Douglas é um cluricaun (pronuncia-se /KLU-ra-Kãn/) baixinho que anda sempre apressado. Gosta de uma boa taça de vinho quando está preocupado ou aflito. Com “boa” eu quero dizer “grande” e com “taça” eu quero dizer “balde”. Já tem 112 anos e ao contrário do que muitos pensam, não mora na Irlanda. Além disso, odeia ser confundido com leprechauns (são seus “primos”, conhecidos como os sapateiros do povo das fadas). Douglas possui uma coleção de mais de 300 CDs de música grunge e folk, um grande caldeirão onde prepara ensopados de frango com cogumelo e se dá bem com os vizinhos humanos. É fascinado por essa espécie de estúpidos extremamente inteligentes. Douglas é meu amigo, apesar de não sermos muito próximos. Ele me disse que nunca conheceu um ser humano que não fosse importante. Pensei que fosse conversa de duende, mas ele falou sério.

  Majestosas labaredas erguiam-se no topo da montanha Hur. O vento carregava e soprava cinzas e tudo cheirava a fumaça: as mãos, as roupas, a refeição. Era noite e Lúcio passeava com seu lagarto fêmea, companheiro de estimação. Os dois comiam batata frita e peixe. Era a janta predileta de Jasmine, apesar dela nunca recusar formigas. A brisa fresca exalava calma e monotonia, mas Lúcio sabia que o dia não acabaria assim. Fogueiras em morros nunca significaram coisa boa. Até Jasmine sabia disso (sem ofensas, ela é um lagarto muito inteligente). Pode ser um anúncio de guerra. Ou talvez são só seus amigos da montanha fazendo churrasco. Jasmine silenciosamente torcia para que fosse a primeira opção. Ela odeia carne bovina.

  Agnes tinha uma paixão incontrolável pela vida. Apreciava tudo de forma invejável. Amava e odiava com fervor incomparável. Contemplava a chuva, a dor, a primavera, a fila do caixa no supermercado, o enterro do tio Jonas, de 81 anos. Não encarava tudo como “bom”, é claro. Entretanto, enxergava a singularidade e importância de cada momento. Tudo era um rito de passagem. Agnes morreu jovem, 28 anos. Viveu muito mais que tio Jonas.